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Europa Oxalá tales of Europe

waau-art.com | Marta Lança
11.10.2022

Culminar de uma longa pesquisa

“Moro em Lisboa e vivo em São Tomé. Ser europeu representa o homem novo no contexto global”,  frase de uma fotografia da série Afro Descendentes, de Pauliana Valente Pimentel, uma das artistas portuguesas da exposição Europa Oxalá. Quem a disse foi o artista René Tavares, fotografado no seu atelier de pinturas amplas e plenas de liberdade, cobrindo o rosto com uma máscara de tchiloli. Na série, para além de René, retratos das atrizes Isabel Zuáa, Nádia Iracema, Cléo Tavares e os artistas Cristiano Mangovo e Acuã Pessoa que, pelo seu trabalho e postura, têm contribuído para que reconheçamos o país pluriracial, transidentitário e como era hora de valorizar-se as estórias que nos enformam.

Ao visitarmos a mostra coletiva Europa Oxalá ficamos, precisamente, com uma ideia mais vívida e premente sobre o poder criativo, as questões, preposições e desafios da contemporaneidade europeia. A noção de Europa afigura-se tanto mais coincidente com a sua realidade, como com os desejos e memórias diversas que a compõem. Na sala expositiva da Fundação Calouste Gulbenkian, percorremos as 60 obras em linguagens como pintura, desenho, escultura, filme, fotografia e instalação, de artistas cujos nomes não são uma mera lista mas fonte de conhecimento sobre identidades, descolonização, xenofobia, racismo, processos migratórios de pessoas, mundos e materiais e arte. Aimé Mpane, Aimé Ntakiyica, Carlos Bunga, Délio Jasse, Djamel Kokene-Dorléans, Fayçal Baghriche, Francisco Vidal, John K. Cobra, Katia Kameli, Mohamed Bourouissa, Josèfa Ntjam, Malala Andrialavidrazana, Márcio Carvalho, Mónica de Miranda, Nú Barreto, Pauliana Valente Pimentel, Pedro A. H. Paixão, Sabrina Belouaar, Sammy Baloji, Sandra Mujinga e Sara Sadik, todos eles figurando na cena artística internacional, representados em galerias e museus. São europeus com forte ligação a Angola, Madagascar, Cabo Verde, Congo, Benim, Guiné, Argélia, Burundi, muitas vezes falando as línguas destes países, e residem sobretudo em Portugal, na Bélgica e França. As suas propostas não ancoram na questão territorial, quanto muito serão transterritoriais. De modo geral, e faz parte do jogo generalizar obras diversas numa exposição coletiva, Europa Oxalá inscreve histórias pessoais (enquanto ponto de vista de si para o mundo e para o outro) numa ideia de comunidade de vasos sanguíneos onde circula essa mesma história de cada um e se dá o reconhecimento do lugar fluido de onde elas partem, estão ou se projectam. Sem produzir um discurso excessivamente didáctico contribui para refletirmos sobre a Europa de hoje, porque “a arte não repara as feridas da história, mas é um campo fundamental para pensar a política do presente”, como escreveu Carla Baptista a propósito da exposição no Le Monde Diplomatique.

Com co-curadoria de Aimé Mpembe Enkobo, Katia Kamelie e António Pinto Ribeiro, faz sentido que esta exposição sobre trânsitos na e para a Europa, circule precisamente pelo velho continente: inaugurou em Marselha (no Musée des Civilisations de l’Europe et de la Méditerranée), está presente na Gulbenkian, em Lisboa, até 22 de agosto, e seguirá para o AfricaMuseum, em Tervuren, na Bélgica.

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